Mulheres são maioria com mestrado e doutorado no Brasil, mas homens ainda dominam posições de liderança na ciência; veja números


Questionamentos sobre credibilidade e maternidade estão entre obstáculos. Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência é nesta terça (11). Mulheres são maioria com mestrado e doutorado, mas machismo emperra progressão de carreira
A importância das mulheres na carreira acadêmica brasileira é uma realidade evidenciada pelo número de pesquisadoras – que, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), desde 2003 já supera o de homens em doutorados. No mestrado, a inversão ocorreu até antes: em 1997. No entanto, as figuras femininas na ponta das pesquisas afirmam que o preconceito ainda impõe vários obstáculos que dificultam a progressão para o pós-doutorado ou mesmo para o mercado de trabalho.
No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado nesta terça-feira (11), o g1 conversou com três pesquisadoras que conquistaram cargos de liderança em laboratórios na região de Campinas (SP) – um dos polos de tecnologia do Brasil.
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Elas apontam que questionamentos sobre credibilidade e dificuldade impostas pela falta de apoio durante a maternidade são fatores críticos para o desenvolvimento de novas lideranças femininas.
🔍O Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência foi criado em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como forma de conscientizar a sociedade para a igualdade de gênero na ciência.
Crescimento contínuo
Para traçar a análise, o g1 reuniu dados de 1996 a 2023 do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculado ao MEC.
Também foram usados das universidades estaduais paulistas USP, Unicamp e Unesp. Os dados de 2024 são consolidados por meio dos anuários das universidades que ainda não foram fechados.
Em 2023, a média de mulheres com mestrado e doutorado é de 54,62%.
A proporção se mantém nas universidades paulistas. As três possuem maioria de mulheres no mestrado e doutorado. Na USP, de 51% e, na Unesp, de 53,84% em 2023.

Evolução na Unicamp
Criada na década de 1960, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) implantou mestrado e doutorado logo nos primeiros anos, e o primeiro título foi concedido em 1970.
Nos anos seguintes esse tipo de formação foi aumentando, mas manteve por muito tempo uma característica: muito mais homens obtendo títulos do que mulheres.
Entre 1970 e 1980, das 970 pessoas que obtiveram mestrado, apenas 31% eram do sexo feminino. Para o doutorado, a porcentagem era ainda mais distante, 76% eram homens.
O número de mulheres conquistando títulos aumentou no decorrer dos anos até a porcentagem se inverter na virada do milênio para ambas as modalidades.
E atingiu, nos anos seguintes a estabilização – exceto entre 2021 e 2022 – anos em que as pesquisas foram muito afetadas pela pandemia – houve uma queda do número total de inscritos, e mais homens conquistaram vaga.

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E os cargos de liderança?
Pesquisadoras ouvidas pelo g1 apontam que os índices não refletem a posições de liderança em laboratórios ou nos cargos de docência nas universidades públicas.
“Na ciência você precisa ter diversidade. Diversidade de formações, diversidade de vivências […] precisa ter mais mulheres em situações de comando. Na hora que a gente começa a citar, conta nos dedos da mão, significa que temos um problema”, comenta Helena Nader
“Essa luta tem que ser contínua e perene. Não vai dizer que já atingimos. Não atingimos. Não atingimos”, diz Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciência.
Instituições como Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estão entre os mais avançados centros de pesquisa no país, mas em relação à representatividade feminina ainda existem obstáculos a serem superados.
No CNPEM, 38% dos pesquisadores são mulheres.
Divulgação/CNPEM
No CNPEM, dos 1.095 colaboradores ligados diretamente à pesquisa, 415 são mulheres, o que representa 38% dos pesquisadores, valor que aumenta para 41% quando os funcionários de gestão, suporte e serviços diretos ou indiretos passam a ser considerados.
O Inpe apresentava uma diferença ainda maior no início de 2024, com 653 servidores no total e 149 sendo mulheres, o que representa 22,8% do total.
Quando observado apenas o corpo docente, são 31 mulheres professoras permanentes de um montante de 152, o que corresponde a 20,34%.
As três universidades estaduais apresentam uma representatividade reduzida semelhante [ver gráfico abaixo]

Segundo a plataforma Capes/MEC, em 2023, entre os docentes que atuam em universidades no Brasil, 64.017 são homens, enquanto 47.524 são mulheres, uma proporção de 57,39% para 42,61%.
Sabine Righetti, jornalista e pesquisadora no Laboratório de Jornalismo (Labjor) da Unicamp, conta que durante toda trajetória acadêmica sempre teve homens como orientadores, apenas no pós-doutorado foi supervisionada por uma mulher “que trabalha justamente com gênero e ciência”.
“Isso acontece muito porque os homens estão, em maioria, nas lideranças de projeto, nas chefias de departamento, nos grandes projetos de pesquisa. Se falar nas instituições científicas de toda a natureza”, diz a jornalista.
Segundo Righetti, a falta de mulheres em cargos de gestão de liderança, como reitoras das universidades de São Paulo, evidencia esse número. “A USP só teve uma vez uma reitora mulher, a Unesp e a Unicamp nunca tiveram”.
O Ministério da Ciência e Tecnologia, criado em 1985, só foi ter uma mulher na liderança na gestão atual do governo federal.
Além disso, ela ressalta a importância de uma mulher na presidência da Academia Brasileira de Ciência (ABC).
“Eu acho muito significativo a escolha e a eleição da Helena Nader, que tem dois anos que ela preside a ABC, então isso muda toda a forma como a instituição funciona, eu acho isso bastante simbólico”, afirma Righetti .
Unicamp, Unesp e USP
Antoninho Perri / Unicamp, Unesp/Divulgação, Valdinei Malaguti/EPTV
“Acontece em determinado momento da carreira científica que a mulher desaparece. Ela é maioria na graduação, ela é maioria no mestrado, ela é meio a meio no doutorado, aí você vai analisar o corpo docente, já começa a sumir, os cargos de liderança então ela desaparece completamente. Quer dizer, o que está acontecendo?”, fala Sabine Righetti .
Para Righetti, um dos principais motivos é o impacto da maternidade na carreira científica da mulher, pois representa queda de produção científica.
Valéria Spolon, coordenadora de laboratório da Escola de Ciência Ilum, ligada ao CNPEM, conta que enfrentou muitos desafios com pessoas que duvidavam de sua capacidade, o que exigiu dela muito mais esforço para se provar.
“Um homem, na mesma situação, na mesma posição, não sofreria o mesmo”, avalia.
Relação com a maternidade
Valéria Spolon viveu dificuldade para conciliar as múltiplas funções e exigências da produção científica depois que teve um filho. “Numa situação em que você tem uma criança pequena, é praticamente impossível conseguir manter essa produtividade”.
“Nada foi tão desafiador quanto ser mãe e ser pesquisadora e professora, e aí eu percebi que essa carreira de cientista é cruel com as mulheres, é muito mais cruel com as mulheres mães, só depois que eu, mãe, fui entender isso”, finaliza.
A pesquisadora ressalta iniciativas como o movimento Parenting Science, que começou com uma página na internet e tem apoiado mães em todo o mundo, e a existência de licença-maternidade, que garante licença remunerada para pesquisadoras.
Posição das instituições
CNPEM
Em nota, o CNPEM diz que participa de diversos projetos de inclusão de grupos socialmente vulnerabilizados (mulheres, raças e etnias, PCD e neurodivergentes, LGBTI+, corpos diversos e gerações).
A instituição também participa de projetos que incentivam meninas e mulheres a seguirem carreiras em áreas de pesquisa, entre eles o Menina no Circuito – UFRJ, Projeto M.A.F.A.L.D.A. (Meninas na químicA, Física e engenhariA para Liderar o Desenvolvimento em ciênciA), Meninas SuperCientistas, Americas Girls Can Code e Futuras Cientistas.
O grupo de mulheres promove ações de conscientização, com espaço de reflexão e acolhimento. Além disso, planeja para 2025 “letramentos mais aprofundados para diretoria, liderança e todo o público e também rodas de conversa com mulheres para falar sobre violência contra mulher em todos os aspectos da vida”.
O centro também prepara, para 2025, um censo para avaliar a representatividade feminina e a percepção de inclusão na prática em cada nível. “Definiremos quais serão as políticas afirmativas, como cotas, programa para mães, programa de mentoria de mulheres, reforço de ações de proteção, entre outras”.
Unicamp, Unesp, USP e Inpe
Entramos em contato com as instituições Unicamp, Unesp, USP e Inpe, mas, até o momento da publicação desta matéria, não obtivemos retorno. Assim que houver um posicionamento, a matéria será atualizada.
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