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Entregue nos últimos dias da gestão de Edison Andrino na Prefeitura de Florianópolis, em 1988, o Estaleiro Caiçara, na Barra da Lagoa, foi construído num terreno cedido pela empresa Portobello ao município e ficou sob responsabilidade da colônia de pescadores local, a Z-11. A finalidade do estaleiro era a preservação dos barcos e redes dos pescadores da Barra por tempo indeterminado.
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Alvo de batalha judicial, teve a finalidade desvirtuada e hoje é utilizado por terceiros – Foto: Germano Rorato/ND
Hoje, entretanto, o Estaleiro Caiçara foi dividido em duas partes e tem terceiros como “donos”. Um aluga a sua parte e o outro trabalha por conta própria. Os pescadores que desejam utilizar o estaleiro têm que pagar pelos serviços e, muitas vezes, perdem a preferência para escunas, por exemplo. Diante da situação, a atual gestão da Z-11 tenta reaver o imóvel.
“Ocupantes se negam a sair”, diz advogado
Advogado da Z-11, Marcos Manoel Domingos está à frente da ação que visa devolver o Estaleiro Caiçara à comunidade pesqueira. Segundo Domingos, nas gestões anteriores, a colônia fez um acordo para deixar José Luiz Bonadiman, o Zeca, utilizar o espaço, mediante o atendimento dos associados da comunidade, mas com o tempo, os esforços dele se voltaram a outras demandas.
“Ao assumir a gestão, o seu Zequinha [José Frutuoso Goes Filho, presidente da Z-11] buscou incentivos para melhorar o estaleiro e oferecer um serviço de qualidade. Foi aprovado um projeto e disponibilizada uma verba. Para aplicar, o estaleiro precisaria ser desocupado, porém, o ocupante se negou a sair”, contou o advogado. Zeca teve a opção de ficar, desde que fossem ajustados os pontos para que a comunidade fosse atendida, mas ele se opôs.
“A atual gestão quer devolver o estaleiro à comunidade. Há uma dificuldade dos pescadores para manutenção e reparos de emergência das embarcações”, salientou o advogado. A pretensão é obter o domínio, fazer melhorias e oferecer à comunidade um serviço de qualidade, no espaço adequado.
Conforme o advogado, Zeca ocupa o estaleiro por um acordo com as gestões passadas, mas nunca houve intenção de transferir o domínio. Ainda segundo Marcos, o Estaleiro Caiçara foi inclusive interditado pela Defesa Civil, em 2019, por falta de condições do prédio, situação que se arrasta até hoje.
Ao receber notificação da colônia para desocupar o Estaleiro Caiçara, Zeca entrou com uma ação de manutenção de posse. Nesta mesma ação, a colônia pleiteia a retomada da posse. “Essa ação existe desde 2020 e, desde 15 de fevereiro, está na mesa do juiz, aguardando a decisão de mérito”, afirmou o advogado.
![Heitor Bonadiman e José Luis Bonadiman, atuais ocupantes do Estaleiro Caiçara Heitor Bonadiman e José Luis Bonadiman, atuais ocupantes do Estaleiro Caiçara](https://static.ndmais.com.br/2024/09/bonadiman-800x533.jpeg)
Heitor Bonadiman e José Luis Bonadiman, atuais ocupantes do Estaleiro Caiçara – Foto: Germano Rorato/ND
A reportagem localizou os dois ocupantes do estaleiro. Um deles se negou a dar entrevista, mas disse que comprou sua parte do estaleiro, que aluga e tem documentos que comprovam a posse.
A Z-11 não moveu ação contra ele, somente contra Zeca. “Ali também fazia parte do estaleiro, mas em gestões antigas, houve uma situação e não sei exatamente como isso se deu, mas esse senhor obteve o título de ocupante e não está no processo. Essa situação se consolidou antes da atual gestão da colônia”, disse o advogado.
O que diz Zeca, um dos ocupantes do Estaleiro Caiçara
José Luiz Bonadiman, o Zeca, alega que o estaleiro doado à colônia nunca funcionou, ficou parado e que ele foi levado ao local por outros pescadores. Ele disse que trabalha no estaleiro há quase 30 anos e decidiu parar de “trabalhar de graça”, para donos de embarcação que o procuravam. “Por ser da colônia, pediam preço menor, diziam que o certo era não pagar e decidi trabalhar para mim mesmo”, declarou.
Zeca não é membro da colônia e confirmou a briga judicial para que ele saia do Estaleiro Caiçara. “Trabalho aqui desde que o meu filho tinha três anos. Tenho filho que nasceu aqui, meu neto. Não tenho a posse, mas nem a colônia tem. Se diz dona, mas estamos na Justiça. Quero seguir, deixar para o meu filho. Se eu parar, tenho 60 anos, fecha tudo, vou fazer o quê?”, questiona Zeca.
No estaleiro, ele faz serviços como manutenção, puxada de barco e construção de embarcações. “Isso aqui é da União. A prefeitura nunca cedeu, nunca teve nada aqui, quem cedeu foi a Portobello, mas também não era deles. Estou pedindo para continuar trabalhando”, afirmou. Segundo Zeca, hoje, o galpão não tem nada da época em que chegou, pois foi caindo e ele reformou: “nunca botaram um prego aqui”.
![Zeca diz que sua ocupação é legítima e que a prefeitura "nunca botou um prego" no local Zeca diz que sua ocupação é legítima e que a prefeitura "nunca botou um prego" no local](https://static.ndmais.com.br/2024/09/puxada-de-barco-800x533.jpeg)
Zeca diz que sua ocupação é legítima e que a prefeitura “nunca botou um prego” no local – Foto: Germano Rorato/ND
Prefeito da época lamenta a situação
Eleito em 1985 para um mandato mais curto, de três anos, Edison Andrino governou a Capital de 1986 a 1988 e, antes de passar o bastão, conseguiu entregar o Estaleiro Caiçara para os pescadores da Barra. Procurado pela reportagem, se disse estarrecido.
Ele explicou a cessão feita no passado à colônia. “Não tinha muito sentido a prefeitura ficar cuidando do estaleiro, então, fiz uma parceria, um termo administrativo de permissão de uso de terras públicas, entre o município e a colônia de pescadores para eles administrarem”, lembrou Andrino.
O ex-prefeito diz que, enquanto Wilmar Egidio Goes presidiu a colônia, o Estaleiro Caiçara funcionou. “No contrato diz que não poderiam passar adiante, nem fazer obra sem consentimento da prefeitura”, registrou Andrino. Para ele, é um absurdo que os pescadores paguem para puxar barco no estaleiro e, às vezes, nem podem, por causa das escunas para a Ilha do Campeche.
Ou seja, embora o Estaleiro Caiçara tenha sido criado para servir aos pescadores, isso não acontece mais e há casos em que nem pagando é possível. Para o ex-prefeito Andrino, o cenário no estaleiro se assemelha ao da antiga rodoviária do Centro da cidade, em que terceiros se apossaram de um bem do Poder Público e repassaram ou começaram a alugar.