Pesquisadora independente de Campinas (SP) passou nove meses viajando pelo país em busca de lugares que carregam história do povo negro. Mochileira mapeia lugares ‘apagados’ em regiões de herança africana no Brasil
Quem conta a história nunca contada do Brasil? Em busca de lugares que sofreram apagamento histórico – ou seja, se tornaram memórias que não constam nos livros didáticos –, uma mochileira de Campinas (SP) transformou nove meses de viagem pelo país em um mapa interativo dedicado às regiões de herança africana.
A ideia é simples: reunir, em um site gratuito, uma relação de lugares que carregam a história do povo negro. “São lugares que têm uma contribuição muito forte à História, mas que a gente, por algum motivo, não sabe”, explica Talita Azevedo.
“Lugares historicamente apagados talvez até contem alguma história, mas não necessariamente todas as perspectivas que podem somar à nossa construção de identidade. […] Esses lugares, de alguma forma, atravessam a construção de muitos de nós”, afirma.
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De São Paulo à Bahia
Formada em publicidade, a pesquisadora independente passou por diversas regiões do Brasil, da cidade natal – considerada por historiadores como o último município brasileiro a abolir, na prática, a escravidão da população negra – à Bahia.
📍 A lista de lugares “apagados” que constam no mapa inclui, por exemplo:
Itaúnas, distrito de Conceição da Barra (ES);
Largo Terreiro de Jesus, em Salvador (BA);
Palacete Princesa Isabel, no Rio de Janeiro (RJ);
e Catedral São Pedro da Alcântara, em Petrópolis (RJ).
Essa “andança” pelo território brasileiro começou cedo. Segundo a pesquisadora, a primeira viagem sozinha foi feita aos oito anos para visitar familiares. Desde então, a curiosidade para conhecer mais sobre as próprias raízes só aumentou.
“Mais velha, decidi entender e conseguir mapear como seria a minha árvore genealógica, se eu tivesse esse poder. E aí decidi viajar o Brasil, para entender como diferentes habilidades poderiam criar um acervo à memória, minha e tantos outros brasileiros”, relata.
Estrutura próxima à Lagoa das Lontras, no Rio de Janeiro (à esquerda), e placa em Petrópolis, também no Rio (à direita)
Talita Azevedo
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Para o futuro, o objetivo da pesquisadora é que o mapa evidencie o uso de dados e tecnologia para a criação de memória. Além disso, a ideia é que o mapeamento multiplique o conhecimento sobre o passado do país a todos os públicos.
“Quero muito que as pessoas, no almoço de domingo, perguntem para os seus pais, para os seus avós, quais eram as histórias. Como a gente cria um acervo à memória a partir daqui, sobretudo. Porque o passado já foi. Então, como a gente consegue colocar um presente muito mais materializado, de fato”, destaca Azevedo.
Talita Azevedo, mochileira e pesquisadora independente de Campinas (SP)
Jones Ferreira
Museu do Café
Em Campinas, um dos lugares visitados durante o percurso foi o antigo Museu do Café, fechado em 2008 juntamente com a área verde depois da morte de três funcionários por febre maculosa, doença transmitida pelo carrapato-estrela.
O museu foi fundado em 1996 para resgatar a importância da economia cafeeira para a região. Ele foi instalado em um prédio histórico construído em 1972, no interior do parque, na antiga casa sede da Fazenda Taquaral, durante a existência do Instituto Brasileiro do Café (IBC).
“É um espaço que a gente consegue nitidamente entender uma arquitetura imperial muito forte, e é legal entender que o Lago do Café, essa região, era uma sesmaria de Barreto Leme. Tem toda essa dinâmica imperial, é um espaço obtido pela família imperial”, detalha a pesquisadora.
Após a extinção do órgão público, a área foi cedida para a Prefeitura, que ficou responsável por cuidar da manutenção.
Em visita ao espaço no dia 5 de fevereiro, o g1 encontrou uma estrutura precária, com vidros, degraus e guarda-corpos quebrados. Ao redor, havia mato alto e outras estruturas abandonadas.
Fachada do antigo Museu do Café, em Campinas (SP)
Estevão Mamédio/g1
O que diz a prefeitura?
“A Prefeitura de Campinas tem um projeto para a reforma do Museu do Café, que fica no Lago do Café. A obra será custeada por um EIV (Estudo de Impacto da Vizinhança), que ainda está sendo negociado; não há data para reabertura.
Todo o acervo está preservado e inventariado, inclusive parte das obras está disponível para visitação no Centro de Cultura Caipira de Joaquim Egídio.
Sobre a manutenção predial, há câmeras de monitoramento 24 horas, registrando o movimento interno e externo ao casarão, assim como limpeza interna mensal e manutenção externa realizada pelo DPJ, com corte do mato e retirada das folhagens, de forma constante. Nos períodos chuvosos há de fato aumento do volume da vegetação.
Importante ressaltar que dentro do Parque funciona o Museu da Cidade, na Casa de Vidro, e o atendimento ao público é normal, com orientação para que o público não pise na grama.
Em relação às ações do Museu do Café, a Coordenadoria de Extensão Cultural reforça que o museu não está restrito à sua sede. O principal suporte de memória é seu acervo, com as ações de salvaguarda e difusão, o que tem sido feito com relação ao Museu do Café.
“Atualmente as recomendações na área da museologia é para que os museus sejam ativos em relação ao público e a diversos territórios, sendo assim, a sede do museu não pode ser confundida com o Museu em si, e sim um local de referência a partir de suas atuações e salvaguarda”, disse o diretor de Cultura, Gabriel Rapassi.
“Os atuais esforços são para manter o Museu do Café ativo, enquanto se reorganiza seu espaço físico primário no Lago do Café, e a sede do Centro de Cultura Caipira tem realizado atendimento ao público e relações com outras instituições, como a parceria do Museu do Café de Santos em 2022, ofertando um exposição itinerante por um ano”, completou”.
Áreas abandonadas no antigo Museu do Café, em Campinas (SP)
Talita Azevedo
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