Robert Litig ouviu de funcionária da Dois-Dois que ali era um ‘ambiente familiar’. Estabelecimento disse que mulher era terceirizada e foi afastada do cargo. Robert Litig é barrado na porta da casa de shows por usar cropped (esq.)/Vítima trabalha como produtor de eventos (dir.)
Montagem/g1/Arquivo pessoal
O produtor de eventos Robert Litig, de 39 anos, denunciou ao g1 ter sofrido homofobia ao tentar entrar na casa de shows Dois-Dois, localizada em Campos Elíseos, no Centro de São Paulo. O caso ocorreu na noite do último domingo (9) e gerou repercussão nas redes sociais.
Segundo o produtor, ele foi impedido de entrar no espaço por uma funcionária, pois estava vestindo um cropped — que é uma blusa de comprimento mais curto que o tradicional, geralmente terminando acima da cintura.
“Fui vetado pelo meu visual gay. Ela não me deixou passar.”
👉🏻 Procurado, o Dois-Dois informou que a funcionária é terceirizada e foi afastada das atividades. A casa também disse que todos os colaboradores estão em treinamento permanente. (Leia nota na íntegra abaixo.)
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‘Ambiente familiar’
Morador da Santa Cecília, Robert contou que chegou à casa de shows com o noivo e dois amigos, após participarem de um bloco de carnaval. Como ele estava sem camiseta e carregando um copo de bebida, foi barrado na porta. Seguindo a orientação da funcionária, ele terminou de beber o drink e vestiu o cropped.
“Nesse momento, a mulher me olhou de uma maneira muito estranha. Eu até ri e falei: ‘você está olhando para a minha blusa porque ela é pequenininha?’. Eu brinquei mesmo, e aí ela falou: ‘acho que você não pode entrar dentro da casa assim, não’. Ficou um constrangimento”.
Após conversar com o gerente, a funcionária disse que iria liberar a entrada de Robert como uma exceção. “Por favor, da próxima vez que você vier em nossa casa, venha de maneira adequada, porque esse é um ambiente familiar”, disse a mulher ao produtor de eventos.
Ao g1, Robert relembrou que ficou em choque e estático diante do episódio. Por decisão dos amigos e do noivo, eles não entraram na casa de show e foram para um bar ao lado, onde o produtor desabou e começou a chorar.
Aquela seria a primeira vez que o produtor iria visitar a casa de shows, conhecida por promover eventos com rodas de samba e reunir um público bastante heterogêneo, incluindo a comunidade LGBTQIAPN+.
Para Robert, que já participou da produção dos musicais “Wicked” e “Les Miserables”, o episódio foi fruto do despreparo e da falta de treinamento da funcionária para receber o público.
Homens também podem usar roupas diferentes das quais ela está acostumada a encarar como masculino. Eu fui vetado pelo meu visual gay. Ela não me deixou passar e teve que ter certeza de que aquilo [o cropped] era permitido entrar. A forma como ela me abordou também foi equivocada ao falar para me vestir de forma adequada por ser um ambiente familiar.
O produtor também ressaltou que mulheres que vestiam apenas body, hot pants (calcinha de cintura alta) e até mesmo biquíni conseguiram entrar no Dois-Dois sem nenhum tipo de restrição ou advertência.
“Eu sou um homem branco, gay e meio forte. Entro em todos os lugares, pois tenho passabilidade. Então, foi assustador porque eu nunca tinha sido impedido de ir e vir. Ser impedido de acessar um ambiente é constrangedor. Não tem o que fazer, né? [Significa que] você não é bem-vindo”, desabafa.
A denúncia de homofobia foi registrada na Delegacia de Diversidade Online. Questionada sobre a investigação, a Secretaria da Segurança Pública não retornou até a última atualização da reportagem.
Em dezembro, a casa de shows já tinha ganhado o noticiário quando um policial militar de folga que fazia a segurança do local atirou e matou um homem que segurava a réplica de uma arma.
O que diz o Dois-Dois
“Por volta de 20h46, chegou um grupo de pessoas em frente ao Dois-Dois entre as quais um homem o qual foi orientado quanto à não permissão para entrar na casa por estar sem camiseta. O mesmo encontrou e mostrou uma peça de roupa e, na dúvida, a funcionária foi em busca da confirmação junto à gerência de operação para o caso.
A funcionária foi orientada a liberar o acesso do reclamante. Ao retornar com a resposta positiva para acesso ao Dois-Dois, segundo a funcionária, o reclamante optou por não entrar na casa. Com o conflito entre a orientação dada pela gerência da casa e a versão relatada pelo reclamante, a funcionária foi afastada das atividades no Dois-Dois. Não há qualquer restrição quanto às vestimentas pelo público, no entanto, é proibido entrar na casa com o peito desnudo/sem camiseta.
Cabe ressaltar que a funcionária integra a equipe de segurança contratada via empresa terceirizada e atua na casa há menos de um mês. Este foi o primeiro episódio do tipo, entendemos que motivado pelo fluxo de pessoas vindas do pós-blocos de carnaval. Ela foi afastada do trabalho na casa até a elucidação dos fatos. Também para que possa receber um treinamento específico e refletir sobre o caso ocorrido. Todos os colaboradores estão em treinamento permanente, e o caso reforça pontos que a equipe reflete no dia a dia de trabalho.
Desde então, o Dois-Dois acompanha com atenção comentários e mensagens que chegam à página do Instagram da casa e apontam o espaço como homofóbico. Lamentamos a experiência relatada pelo reclamante, assim como o julgamento por pessoas que não seguem nem frequentam o espaço, e consideram o ambiente de internet um espaço livre para manifestar opinião, mesmo que esta não se relacione com a verdade.
Todas as informações aqui prestadas foram reportadas pelos funcionários para a direção da casa, assim como as imagens do sistema de segurança interno confirmam a movimentação e o horário do ocorrido. O Dois-Dois se colocou e permanece à disposição para ouvir e dialogar com o reclamante em qualquer instância.”
SP tem canais públicos para denunciar homofobia, transfobia e violência de gênero