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Usuários enfrentam dificuldades para acessar o World App, resgatar valores e esclarecer dúvidas. Especialistas apontam que o projeto está violando direitos do consumidor. Cristiano Barbosa, Vivian Caramaschi e Nilson dos Santos relatam dificuldades para receber o dinheiro oferecido pela World.
Darlan Helder/g1
Brasileiros que escanearam a íris em troca de dinheiro relatam dificuldades para obter suporte da World após o registro. A iniciativa coleta a íris humana para usá-la como uma “impressão digital” mais avançada e, nos últimos meses, tem se expandido pela periferia da cidade de São Paulo.
As queixas dos usuários se concentram no aplicativo World App, que é o passo inicial para participar do projeto e também onde a remuneração pela participação fica armazenada. Ele é o meio oficial de atendimento, mas foram ouvidas muitas reclamações sobre o funcionamento do app.
“Tentei entrar em contato pelo chat do app várias vezes e o problema não foi resolvido. Então, decidi vir aqui na loja. Aí me disseram que talvez eu tenha sido banida por alguma atividade suspeita. Mas que atividade? Não sei, e não deixei ninguém mexer no celular. Perdi a conta e o dinheiro”, diz Vivian Caramaschi, de 48 anos.
A maioria dos problemas está relacionada ao dinheiro oferecido. O projeto libera 20 criptomoedas “Worldcoin” 24 horas após o escaneamento da íris, e as outras 28 moedas são distribuídas mensalmente ao longo de um ano. O usuário pode, então, vender essas moedas e trocá-las por reais.
Isso serve como um incentivo para criar uma base de pessoas verificadas. A World registra a íris humana e afirma que, no futuro, esse tipo de biometria será capaz de diferenciar seres humanos de robôs de inteligência artificial (IA).
Na última terça-feira (11), a World decidiu interromper novos registros no Brasil após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) negar um recurso de efeito suspensivo e proibir definitivamente a empresa de remunerar pessoas pela coleta dessa biometria.
World: conheça projeto que paga criptomoedas por registro de íris
Antes dessa decisão, o g1 visitou vários pontos de coleta de íris em São Paulo, onde o projeto tem 55 endereços e diz ter escaneado mais de 400 mil pessoas desde o início oficial da operação em novembro de 2024.
Durante as visitas, o g1 presenciou várias pessoas, algumas irritadas, em busca de ajuda para transferir o dinheiro, acessar o aplicativo e até corrigir envios feitos para contas erradas.
A advogada especialista em direito digital Patrícia Peck alertou que o World App não está totalmente em português, apresentando uma mistura de idiomas, incluindo inglês e, às vezes, espanhol. O g1 pôde constatar isso no app de algumas pessoas que reclamaram do suporte.
Advogados afirmam que a World viola os direitos do consumidor com essas práticas e que o usuário pode entrar com uma ação para que um juiz declare inválido o contrato firmado entre o participante e a Tools for Humanity, empresa responsável pela operação da World (leia mais ao final da reportagem).
Procurada, a World informou que não consegue quantificar o número de pessoas com problemas, pois todo o processo é anônimo.
Além disso, a empresa afirmou que os funcionários são treinados apenas para explicar a tecnologia, tirar as fotos, e não têm habilidades para solucionar eventuais problemas que os usuários possam ter.
Suporte é um robô e não funciona, dizem usuários
Vivian Caramaschi não recebe o dinheiro da World desde novembro de 2024.
Darlan Helder/g1
Vivian Caramaschi, de 48 anos, disse ao g1 que fez a coleta da íris em novembro de 2024 e deveria receber 20 moedas após 24 horas, o que não aconteceu devido a um problema no app.
Ainda em novembro, ela viu no World App que tinha cerca de R$ 200 para sacar. “Por causa do erro no saque, eu desinstalei o aplicativo e reinstalei, mas agora ele diz que a senha está errada, mesmo eu digitando corretamente”, conta.
Situação semelhante aconteceu com Marilis Casco Morales, de 24 anos, que escaneou a íris em dezembro de 2024. Ela afirma que não consegue mais acessar o app para resgatar os R$ 296,81 referentes à primeira parcela.
“Desinstalei o aplicativo e baixei novamente. Na hora de digitar a senha, o app diz que está errada”, relata.
Ainda em dezembro, Marilis retornou à unidade do Bom Retiro (região central de São Paulo) em busca de ajuda e foi orientada a procurar o suporte no app, que, segundo ela, não funciona (veja nas imagens abaixo).
Primeiro, o chat não carregava; depois, informou que não seria possível resgatar os valores porque ela não havia feito backup da conta, que é uma cópia de segurança de dados para prevenir perdas.
Prints enviados por Marilis Casco Morales mostram problemas no suporte e a mensagem de que não é possível resgatar a conta.
Reprodução
O g1 também encontrou em um dos pontos da World Elaine Oliveira, de 40 anos, que perdeu a conta e ficou sem a segunda parcela do dinheiro.
“Eu perdi a minha senha e não consegui mais entrar e sacar. Tentei falar no suporte e não consegui porque não tem opção para recuperar a conta. A atendente aqui informou que não tem como eu resgatar e nem fazer novamente a verificação”, afirmou.
A dificuldade para falar no suporte também foi relatada pelo usuário Nilson dos Santos, de 39 anos, que está tendo problemas para receber a segunda parcela do pagamento.
“O suporte é robótico e chega um momento que ele não responde mais. Aqui no ponto de coleta de íris, os funcionários sempre direcionam seu problema para o chat no World App”, disse.
Sem ajuda, ele disse que pensa em fazer um boletim de ocorrência contra o projeto.
Nilson dos Santos afirma que não consegue sacar a segunda parcela do valor.
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No caso de Vivian, Marilis e Elaine, elas podem ter perdido o acesso à conta ao desinstalar o app ou por não terem feito o backup na tentativa de resolver seus respectivos problemas.
Na central de ajuda da World, no item “Estou tendo problemas para entrar na minha conta”, a World diz que a desinstalação do aplicativo é a última alternativa para recuperar o acesso, pois há riscos envolvidos nesse processo.
“Uma última opção é tentar excluir e reinstalar o aplicativo. É importante entender que excluir o aplicativo pode significar perder permanentemente sua conta se você não tiver recursos adequados de restauração em vigor (número de telefone e backup da conta com senha válida)”, diz a empresa.
A World não explica em sua central de ajuda o motivo pelo qual a desinstalação do app pode impedir o acesso do usuário.
No entanto, sabe-se que o World ID (registro da íris) está vinculado ao World App, o que pode ser a causa do problema. “O World App permite que você prove de forma segura e anônima que é um humano único online com o World ID”, explica a empresa na página dedicada ao app.
Ao g1, a World confirmou a informação presente em sua central de ajuda e afirmou que a opção de backup é exibida assim que a pessoa se inscreve no World App.
Ponto de coleta de íris da World em um shopping da Zona Sul de São Paulo.
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O g1 também flagrou um funcionário da World lamentando por não conseguir ajudar, afirmando que ele era apenas um terceirizado. A situação ocorreu enquanto Cristiano Barbosa, de 52 anos, buscava informações sobre o recebimento da criptomoeda em um endereço da empresa na Zona Sul de São Paulo.
Apesar de acreditar na tecnologia da World, Cristiano afirma ter sido enganado, pois foi informado por um funcionário da World de que receberia cerca de R$ 300 por mês. Assim como os demais, ele fez o registro da íris em dezembro e, agora, em janeiro, tem R$ 24,77 para sacar.
A quantia maior oferecida pela World geralmente é paga na primeira parcela, enquanto as demais, distribuídas ao longo do ano, tendem a ser menores.
“Na unidade do Bosque da Saúde (Zona Sul), me disseram que eu ia receber em média R$ 300. O rapaz aqui me explicou que não, que agora eu tinha só três moedas [para converter para real]. Ele me fez retornar o valor ao cofre e, agora, pode ser que o valor que eu tenho fique maior ou menor, vai depender da variação”, diz.
Cristiano Barbosa afirma que foi enganado ao ser informado de que receberia cerca de R$ 300 todo mês.
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World fere direito do consumidor, dizem especialistas
Para Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor, o alto número de reclamações, a falta de esclarecimento sobre prazos e transferências e a perda de acesso ao app após sua remoção indicam que a World viola direitos básicos do consumidor.
“A World tem o dever de prestar informações claras e precisas suficientes sobre a forma de uso do app, sobre como e quando as criptomoedas serão transferidas e sobre as consequências de remoção do app”, diz Gabriel de Britto.
Os serviços e aplicativos que operam no Brasil também estão sujeitos à legislação brasileira, e precisam atender requisitos de transparência e comunicação clara e no idioma português, completa Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital.
Gabriel de Britto explica que o consumidor lesado pode entrar com uma ação no juizado especial cível mais próximo, pedindo que o contrato seja declarado inválido. Além disso, a World poderia ser condenada a excluir os dados de íris e a pagar indenização por danos morais.
“Para uma pessoa comum, a oferta é atrativa, mas o uso do app acaba sendo difícil e gera frustração. Há dificuldades para entender o funcionamento, resgatar o valor, tirar dúvidas e exercer direitos, inclusive para obter atendimento. Apenas o processo de coleta é facilitado”, diz Patrícia Peck.
O g1 também procurou a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), que informou estar analisando o tema. Segundo a entidade, por se tratar de um assunto novo, é necessário um aprofundamento maior nas denúncias.
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