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Boa parte da história da economia de Santa Catarina é tributária do processo de industrialização da Alemanha, de onde vieram milhares de imigrantes para o Sul do Brasil a partir da terceira década do século 19. Se a Inglaterra foi o cenário onde nasceu a indústria moderna, na fase entre 1790 e 1830, em datas arredondadas, os alemães se beneficiaram do segundo estágio da industrialização europeia, que foi de 1850 a 1914.
![História da Ciser começou com a fundação da Casa do Aço, em 1881 por imigrantes alemães da família Schneider História da Ciser começou com a fundação da Casa do Aço, em 1881 por imigrantes alemães da família Schneider](https://static.ndmais.com.br/2024/09/ciser-800x583.jpeg)
História da Ciser começou com a fundação da Casa do Aço, em 1881 por imigrantes alemães da família Schneider – Foto: Arquivo/ND
A experiência inicial de estabelecimento de uma colônia no Vale do Itajaí não foi tão bem-sucedida, pela falta de infraestrutura e porque a topografia era muito acidentada.
Quando voltou para o Velho Continente, o doutor Hermann Blumenau estava disposto a reforçar a propaganda para atrair outro tipo de imigrante, não apenas agricultores.
Assim, as novas levas começaram a replicar aqui práticas usuais em suas regiões de origem, onde já operavam manufaturas de pequeno porte. Chegando ao Vale e ao Norte do Estado, os alemães trataram de criar unidades fabris que dessem conta da demanda crescente por produtos e ferramentas para atender os núcleos coloniais em expansão.
“Impactados por condições financeiras adversas e pelos movimentos revolucionários na Europa, muitos não tiveram outra alternativa senão imigrar, mas já tinham habilidades e experiências com a produção de manufaturados”, explica Ana Zultanski, formada em geografia e professora do Sesi-Senai em Blumenau.
![Primeira sede da Colônia Blumenau Primeira sede da Colônia Blumenau](https://static.ndmais.com.br/2024/09/primeira-sede-da-colonia-blumenau-1-800x636.jpeg)
Primeira sede da Colônia Blumenau – Foto: Arquivo/ND
Se o primeiro grupo a se fixar às margens do rio Itajaí tinha apenas 17 imigrantes alemães, a segunda incursão do doutor Blumenau trouxe mais de 200 trabalhadores munidos de ferramentas e com conhecimentos para produzir os utensílios que a colônia demandava.
O crescimento ainda estava escorado na produção de alimentos – arroz, feijão, milho, aipim, açúcar – e na multiplicação dos engenhos, as “indústrias” pioneiras na região.
Foi a partir das pequenas fábricas das décadas seguintes que Blumenau se tornou referência na indústria de Santa Catarina, assim como aconteceu com Joinville, Jaraguá do Sul e outras cidades do Vale e do Norte do Estado.
“Nunca rompemos com a imigração”, diz professora
À medida que se aproximava a virada do século 19 para o 20, a produção de alimentos e utensílios deu lugar, no Vale do Itajaí, à construção civil, ainda nos moldes das moradias individuais, e à indústria têxtil.
A Cia. Hering foi uma das primeiras indústrias do seu setor no Brasil, quando já havia um certo boom industrial na região. Naquele momento, Blumenau contava com as excelentes condições de navegabilidade do rio Itajaí-açu, que ligava o Vale a Itajaí e ao seu porto.
![Cia. Hering, nos anos 1960 Cia. Hering, nos anos 1960](https://static.ndmais.com.br/2024/09/hering-anos-60-1-800x600.jpeg)
Cia. Hering, nos anos 1960 – Foto: Arquivo/ND
Outro fator de estímulo ao desenvolvimento da indústria foi a construção das primeiras usinas geradoras de energia elétrica, que moviam as unidades fabris e aumentavam a eficiência da produção.
Foi a fase em que surgiram a Karsten, a Altenburg e a Cia. Garcia. Ao redor dessas e outras indústrias nasceram vários bairros que depois, em alguns casos, se transformaram em cidades ao longo do rio Itajaí.
A professora Ana Zultanski ressalta que outras companhias apareceram após a virada para o século 20 – fábricas de cerveja, chapéus, charutos e rodas de carroça, por exemplo. Àquela altura, a indústria têxtil estava consolidada e abastecia os mercados interno e externo.
As duas guerras mundiais e a crise da Bolsa de Nova York, em 1929, trouxeram mais alemães, e cada leva acrescentava novos elementos à produção industrial da região. “Na prática, nunca rompemos com a imigração”, diz Ana.
De acordo com um censo industrial realizado em 1920, foram fundados 150 estabelecimentos industriais entre 1890 e 1904, número que cresceu para 295 entre 1905 e 1914.
Em 1907, um levantamento do governo mostrou que havia 173 estabelecimentos industriais e 2.002 pessoas ocupadas na indústria, embora a participação do Estado no parque manufatureiro nacional fosse baixa – aqui estava 1,4% do pessoal ocupado e 1,9% do valor de toda a produção do país.
![A história da Karsten começa em 1882, com teares trazidos da Europa por imigrantes alemães A história da Karsten começa em 1882, com teares trazidos da Europa por imigrantes alemães](https://static.ndmais.com.br/2024/09/karsten-1895-1-800x533.jpeg)
A história da Karsten começa em 1882, com teares trazidos da Europa por imigrantes alemães – Foto: Arquivo/ND
Empresas que nasceram com os imigrantes alemães
- Cia. Hering;
- Döhler;
- Lepper;
- Renaux;
- Buettner;
- Wetzel;
- Buddemeyer;
- WEG;
- Hoepcke;
- Ciser;
- Hess (Dudalina);
- Weege (Malwee).
Marcas que deram nova identidade ao Norte do Estado
No Norte do Estado, um pioneiro que marcou história foi Carl Gottlieb Döhler, nascido em 6 de dezembro de 1845 na Saxônia, onde instalou, ainda muito jovem, uma pequena oficina de tecelagem, fabricando tecidos finos sob encomenda. Em 1881, embarcou com a mulher, Ernestine, e dois filhos para o Brasil, trazendo na bagagem cinco quilos de fios de algodão.
Na Colônia Dona Francisca, hoje Joinville, começou na lavoura, mas logo construiu um tear de madeira e produziu os primeiros tecidos da colônia, fornecendo aos agricultores que emigraram, entre outros, itens como aventais, lençóis e toalhas.
Com 143 anos de história, a Döhler é hoje uma potência em seu segmento, com cerca de 3.000 colaboradores e forte presença no mercado nacional produtos de cama, mesa, banho e decoração.
A região, cuja economia teve uma fase pujante com a Cia. Industrial beneficiando e exportando erva-mate para todo o Cone Sul, se destacou pela indústria da fundição.
A Wetzel foi uma delas, criada por Friedrich Louis Wetzel. Ele migrou para a colônia em 1856 e começou como marceneiro, mas à noite e nas horas vagas dedicava-se a produzir sabão e velas que vendia a caminho do trabalho.
![Hidrelétrica do Salto, em Blumenau, no ano de 1914 Hidrelétrica do Salto, em Blumenau, no ano de 1914](https://static.ndmais.com.br/2024/09/hidreletrica-do-salto-1914-1-800x474.jpeg)
Hidrelétrica do Salto, em Blumenau, no ano de 1914 – Foto: Arquivo/ND
Foi a sua descendência que deu início à empresa de fundição, em 1932, com a criação da Schmidt, Wetzel & Cia. Em 1952, a razão social muda para Wetzel & Cia. Ltda. Hoje, é uma das grandes marcas de Santa Catarina e uma das poucas indústrias ainda sob direção da família original.
No Norte de Santa Catarina existem outras dezenas de grandes indústrias que foram criadas por imigrantes alemães ou seus descendentes.
Entre elas estão a Ciser, antiga Casa do Aço, que deu origem à maior empresa de fixadores da América Latina, e a Tigre, hoje uma multinacional com foco no segmento de tubos, conexões e materiais hidráulicos.
Com mais de oito décadas de trabalho, é uma referência nacional na oferta de soluções para a construção civil.
Condor, um exemplo de luta e resiliência
A Condor, de São Bento do Sul, é um exemplo de empresa que nasceu por causa da imigração dos alemães. Fundada em 1929 pelo imigrante Augusto Emílio Klimmek, a maior fábrica de escovas da América Latina é uma potência erguida com determinação que enfrentou com galhardia as instabilidades das primeiras décadas para se fortalecer a ponto de alcançar, atualmente, 30 países com seus produtos.
Neto do fundador e acionista da empresa, Heinz Engel diz que até hoje não compreende como seu avô, vindo de outra atividade, decidiu implantar uma fábrica desse tipo na cidade.
Ele havia ajudado a fundar a Tupy, em Joinville, morou depois em Curitiba e, ao se estabelecer em São Bento do Sul, acatou a ideia de um conhecido que o convenceu a investir num ramo praticamente inédito no Brasil.
“O velho Augusto era um batalhador”, afirma o neto ao falar que ele próprio, sendo da família, chegou a ser demitido, quando jovem, da Condor.
Reintegrado mais tarde, Heinz destaca a resiliência do fundador, que enfrentou a fase difícil da segunda guerra mundial, quando era impossível importar equipamentos e matérias primas para tocar a fábrica. Foi quando materiais locais – incluindo a madeira – passaram a ser usados nos cabos das escovas.
Hoje, a Condor tem duas unidades fabris e três centros de distribuição, que somam 70 mil metros de área construída. A empresa conta com 1.700 colaboradores que produzem itens nas categorias de limpeza, higiene bucal, beleza, pintura imobiliária e pintura artística.
Formado em engenharia mecânica na Alemanha, Heinz Engel louva seus antepassados alemães, que “sempre souberam fazer as coisas acontecerem”.
![Condor, em São Bento do Sul, possui duas unidades fabris e três centros de distribuição, que somam 70 mil metros de área construída Condor, em São Bento do Sul, possui duas unidades fabris e três centros de distribuição, que somam 70 mil metros de área construída](https://static.ndmais.com.br/2024/09/condor-800x533.jpeg)
Condor, em São Bento do Sul, possui duas unidades fabris e três centros de distribuição, que somam 70 mil metros de área construída – Foto: Divulgação/ND
Mesmo com novos donos, fábricas continuam gerando oportunidades
A contribuição de famílias de imigrantes alemães à industrialização de Santa Catarina é atestada por Ulrich Kuhn, que foi presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis de Blumenau durante 33 anos e passou a vida profissional entre a Hering e a Artex. Ele alerta que a industrialização de Blumenau começou com as empresas de pequena envergadura, e às vezes por obra da segunda ou terceira gerações de imigrantes.
“A Hering, a Karsten e a Teka tiveram como embriões empresas do mesmo ramo a que os imigrantes estavam ligados na Alemanha”, afirma Kuhn. A Artex surgiu mais tarde, já na década de 1940, por iniciativa de descendentes das famílias que chegaram no século 19.
Assim como enfrentaram os indígenas e enchentes devastadoras, mostrando uma modelar capacidade de adaptação ao meio, os industriais alemães também se depararam, no século 20, com a mudança do cenário internacional. Hoje, poucas empresas criadas pelos pioneiros têm algum diretor com o sobrenome original.
Houve fusões e a transferência do controle para grupos nacionais e internacionais, como ocorreu em todo o mundo. Mas as grandes marcas ainda estão lá, produzindo e gerando empregos na região.