
Casal de agricultores, Flávia Guilarducce e Jânio Bonfim, foi assassinado em um conflito por terras na Vicinal Surrão, no Cantá, interior de Roraima. Caio Porto, principal suspeito do crime, segue foragido. Caso Surrão: um ano depois do crime, réu apontado como autor dos disparos segue foragido
“Eu só peço justiça. Não é vingança, quero justiça, porque todo mundo está solto. Que país é esse? Sem lei, sem nada”, questionou a controladora municipal Cláudia Guilarducce, de 53 anos, um ano após a morte da irmã Flávia Guilarducce e do cunhado Jânio Bonfim de Souza. O casal de agricultores foi assassinado em um conflito por terras na Vicinal Surrão, no Cantá, interior de Roraima.
Ao g1, a irmã da vítima, que mora em Goiás, pediu que as autoridades roraimenses deem mais atenção ao caso. Isto porque um ano após o assassinato, o principal suspeito, o empresário e produtor rural Caio Porto, segue foragido da Justiça. O nome dele foi incluído na lista vermelha da Interpol.
“Todo dia eu durmo com aquela dor no coração, sem nada de justiça”, disse.
“[A Justiça] prendeu e soltou todo mundo. Eu não sei o que que a justiça pensa. A lei é muito fraca, muito falha. Muita gente que eu converso fala: ‘Roraima é sem lei’. Eu acredito que eu estou vendo que é mesmo estado sem lei”, disse.
Flávia Guilarducce e Jânio Bonfim foram assassinados em abril do ano passado
Arquivo pessoal
Além de Caio, outros quatro foram investigados por participação no crime. Todos estão soltos e cumprem medidas cautelares impostas pela Justiça, são eles:
Capitão da PM Helton John Silva de Souza – estava com Caio no dia do crime e escondeu a arma usada no assassinato na própria casa;
Johnny de Almeida Rodrigues – esteve com Caio na compra de munições para arma de fogo em uma loja na capital;
Genivaldo Lopes Viana – estava presente no dia em que as vítimas foram ameaçadas de morte e durante a compra de munições;
Luiz Lucas Raposo da Silva – confessou ter acompanhado Porto na ameaça contra o vizinho do casal de agricultores e no dia dos disparos.
O capitão da Polícia Militar Helton John Silva de Souza, de 48 anos, é amigo de Caio e estava com os executores no dia do crime, segundo a Polícia Civil. Ele ficou preso por cinco meses, mas foi solto pela Justiça em outubro do ano passado e voltou ao quadro de oficiais da PM.
O g1 procurou a Polícia Civil para saber sobre as buscas por Caio Porto, mas não foi respondido sobre o assunto. Em nota, a instituição comunicou que finalizou o inquérito. “A partir disso, a ação penal deve agora seguir os devidos ritos legais”.
O advogado Rodrigo Faucz, defesa de Caio, classificou a prisão como “desnecessária”, pois a apuração segue o “curso regular”. Disse ainda que confia na Justiça para conceder liberdade para que ele “tenha as condições necessárias para se apresentar e responder a todas as acusações, conforme prevê a ordem jurídica”.
Veja quem são os investigados e a cronologia do assassinato de casal em disputa por terras em Roraima
Antes de ser baleada, Flávia gravou as vozes dos suspeitos quando eles chegaram à propriedade e capturou toda a discussão e o ataque a ela e ao marido. Foi por meio dessa gravação que a Polícia Civil conseguiu identificar os autores do crime.
Cláudia Guilarducce e a irmã Flávia Guilarducce, que foi assassinada em abril do ano passado
Arquivo pessoal
“Essa filmagem, eu escuto assim, ela gemendo, é doído. E falar que não tem prova, que jeito não tem prova? Foi Deus que permitiu que ela filmasse a voz deles [suspeitos]”, disse a irmã.
No áudio, registrado por Flávia, é possível ouvir quando dois homens conversam com o agricultor sobre a posse da propriedade onde ele vivia com a esposa. Na conversa, um dos suspeitos diz que o terreno é dele e faz uma proposta para que Jânio se mude, o que foi negado por ele. Depois, é possível ouvir seis disparos. (Ouça abaixo)
Áudio registra conversa e seis tiros em 15 segundos no assassinato de casal em disputa por
‘A gente fica magoado demais’
Jânio era filho único e Flávia era a irmã caçula de seis irmãos. Eles se mudaram de Goiás para Roraima a convite de um dos irmãos da mulher, Hudison Guilarducce, que mora há mais de 30 anos no estado e cedeu a terra para que o casal pudesse plantar e morar.
Eles moravam em Roraima há cinco anos e deixaram um filho, de 30 anos, e dois netos, um menino de três anos, e uma menina de cinco. Apesar da distância, Flávia tentava sempre manter contato com a família, principalmente com Cláudia, com quem era mais apegada.
“Ela era muito meiga, sorridente. Eu conversava com a minha irmã duas vez por dia, sempre no horário do almoço, ela ligava: ‘Oi, maninha querida, cadê você? Como você tá, maninha querida?’ Ela falava com o jeitinho dela”, relembrou, emocionada, a irmã.
Casa que os agricultores moravam, no Surrão
Caíque Rodrigues/g1 RR
O irmão relembra que doou as terras para o casal para que pudessem plantar e viver. A propriedade tem cerca de 100 hectares e é próxima de uma área que pertence a família de Caio Porto. Hudison conta ainda que eles eram amigos próximos e o empresário chegou a dormir na casa dele 15 dias antes do crime.
A disputa por terras, conforme a investigação da Polícia Civil, ocorreu porque Caio passou a exigir que Jânio parasse a construção de uma cerca alegando que a obra estava entrando na terra dele. A obra era feita nos fundos da propriedade de Jânio, localizada na Gleba Tacutu, município de Cantá, região do Surrão.
“O pai dele era meu amigo, o cara [Caio] também era meu amigo. Eu não sei o que aconteceu, eu não sei o pensamento dele, não sei se ele surtou, o que foi que aconteceu na discussão ali. Fico muito chocado com um trem [sic] desse. A gente fica magoado demais”, lamentou.
Suspeito Caio de Medeiros Porto é investigado por ter participação direta no crime
Arquivo pessoal
O nome dele foi incluído na lista da interpol a pedido do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, em agosto do ano passado. À época, a suspeita é de que como Roraima faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, o empresário teria fugido para um dos países em um avião.
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